domingo, 6 de maio de 2007

The Show Must Go On

... o show deve continuar, era o que dizia meu orgulho e o trato que havíamos feito com a produtora do show "Vocês precisam ficar por, no mínimo, meia hora tocando". Mas estava uma desgraça. Eu havia bebido demais antes de subir no palco (maldito medo de encarar sobriamente o público) e dado uma carburada em um baura que, sabe-se lá como, veio parar na minha mão. Estava esquecendo letras, assassinando acordes, desafinando melodias. O local estava relativamente cheio, entretanto eu notava, mesmo olhando pra cima enquanto palhetava, como forma de evitar os olhares cítricos de quem estivesse lá embaixo, que ninguém estava gostando. Uma matilha de groupies, das mais chinelonas - gordas, vesgas, fedorentas, mal vestidas - nos apontavam e riam. Se finavam de rir, engasgavam-se, batiam com os pés no chão, davam guinchos que mais pareciam gritos vindos das profundezas do inferno, de tanto que riam. Banhas sacolejando em total sincronia com suas gargalhadas sarcásticas. As minissaias de bolinhas - idolatravam a cultura sixtie - subindo a cada espasmo, deixando as pernas cabeludas e roliças cada vez mais a mostra. Uma cena horrenda "abriram os portões do inferno" imaginei, mesmo estando eu em situação tão ou mais constrangedora. Dois rapazes, de costas para o palco, conversavam e gesticulavam entre si ferozmente. Talvez estivessem discutindo política, talvez religião, ou talvez se Paul era mais genial que John. Defendendo suas opiniões com unhas e dentes, mesmo no meio do caos sonoro consequente de um show ruim de rock - ainda alguém há de bradar "mas todos os show de rock são ruins!" - eles não nos davam a mínima. Menos mal. Dois a menos pra comentar depois " que merda, hein!". O resto do público, apesar de não entusiasmados com o circo dos horrores que acontecia sob os holofotes, parecia olhar e prestar atenção - garanto que por pura comiseração. Até batiam palmas ao término de cada canção mal executada. Gente fina, a dessa cidade. Sabiam que a vida não é fácil, ainda mais pra músico pobre de país subdesenvolvido. Mesmo não gostando, achando um cocô, eram complacentes, sentiam pena no fundo. Ovacionavam, sem entusiasmo é verdade, mas eram ponderantes "Coitados. Bandinha de merda. Porém eles não têm culpa. Afinal, de quem é a culpa?" A noite estava perdida, e eu louco pra que acabasse aquele martírio, descer daquele palco maldito e nunca mais segurar uma guitarra na vida. Me dedicaria à montagem e configuração de micros, que sempre foi o meu dom. Rock? música? mainstream? pfff! jamé! jamé! nem fudendo! nem a tapa!. Mas, lá pelas tantas, não pude deixar de notar: uma garota, muito bonita, eu diria, na primeira fila. Não tirava os olhos de mim, a safadinha. Estava compenetrada, muito compenetrada. Não demonstrava nenhum tipo de emoção, mas não tirava os olhos de mim. "Ah, menos mal. Menos mal. Vou faturar hehehe. Isso aqui tá uma bosta, mas pelo menos vou comer alguém. Pelo menos isso. É hoje! É hoje! hehehe". O espetáculo, depois de intermináveis trinta minutos torturantes, graças ao Senhor, chegou ao fim. As groupies vesgas, já quietas, faziam gestos obcenos pra uns rapazes de outra mesa. Os que discutiam continuavam discutindo - a esta altura bêbados - coisas inaudíveis. E a garota bonita ali, me olhando. Eu enrolando os cabos, recebendo os hipócritas tapinhas nas costas "bom show, véio" e ela ali me olhando. Me olhava tanto que até encabulado fiquei. "Ah, vou sair dessa tiriça maldita hehehe. Vou me esbaldar". Como era de se esperar, tamanha era a intensidade com que me mirava, ela veio falar comigo logo em seguida. "Mas olha que peitão hehehe". Parou na minha frente, sem dizer palavra, e ficou me examinando, como se estivesse procurando no meu rosto algo além da barba mal feita e do sorriso canalha. Eu agoniado com aquela situação,ia me preparando pra tomar a iniciativa,quando ela, de sopetão, fala de uma só vez, de um único fôlego "Sou tua irmã. Legítima. A senhora que te criou e que tu chama de "mãe", na verdade é adotiva. Tu foi deixado na porta da casa dela alguns meses depois de nascer. Nosso pai, que enviuvou logo depois que viemos ao mundo, não tinha condições de criar nós dois. Somos gemêos. Ele teve que escolher, e optou por ficar comigo, que parecia ser a mais frágil e despreparada para a vida. Mas hoje em dia ele é prospero. Tomou coragem e quis te procurar. Ficamos sabendo que tu tinha uma banda e que estaria te apresentando aqui hoje, e viemos. O pai não teve coragem de entrar, ficou lá fora, no carro, e me mandou aqui. Vem, ele tá te esperando. Quer te conhecer."

"Incesto? mmm, não sei...merda! Acho que hoje não como ninguém"